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A Radiação do Corpo Negro

Como início de conversa, para explicar perfeitamente a radiação do corpo negro, cujo desenvolvimento foi um marco para a história da Física Moderma, partiremos de uma revisão na teoria da radiação térmica. A investigação da radiação térmica precede a explicação da radiação do corpo negro proposta por Max Planck.

A Radiação Térmica

Um corpo a qualquer temperatura emite energia na forma de ondas eletromagnéticas, essa energia é denominada radiação térmica. A radiação térmica é a emissão de energia na forma de ondas eletromagnéticas devido à temperatura de um objeto. Além disso, essa radiação pode ter diferentes comprimentos de onda, dependendo da temperatura e da natureza do objeto. Quanto mais quente o objeto, menor o comprimento de onda e maior a frequência da radiação. Por exemplo, um objeto muito quente, como o Sol, emite radiação com comprimentos de onda muito curtos, como a luz ultravioleta e a luz visível. Já um objeto menos quente, como uma lâmpada incandescente, emite radiação com comprimentos de onda mais longos, como o infravermelho. Um objeto ainda menos quente, como uma xícara de café, emite radiação com comprimentos de onda ainda maiores, como as micro-ondas.

Dê acordo com a física clássica, a resposta sobre a radiação térmica origina-se de partículas carregadas aceleradas que estão próximas da superfície do corpo. Sabendo que a temperatura corresponde ao movimento aleatório das moléculas que estão constantemente mudando de direção e, portanto, acelerando. Uma vez que as moléculas contêm cargas elétricas, as cargas também aceleram. Logo, qualquer corpo emite radiação eletromagnética devido ao movimento térmico de suas moléculas. Essa energia é então liberada na forma de ondas eletromagnéticas, que são oscilações de campos elétricos e magnéticos que se propagam pelo espaço.

O Corpo Negro

No final do século XIX, com a observação da distribuição dos comprimentos de onda emitido por um corpo ideal, chamado de corpo negro, tornou-se evidente que uma explicação clássica da radiação térmica era inadequada. O corpo negro consiste de um sistema que absorve toda a radiação incidente sobre ele. Uma boa aproximação teórica do que poderia se comportar como um corpo negro seria um pequeno furo numa casca esférica opaca que leva a seu interior oco. A natureza da radiação emitida pelo buraco depende apenas da temperatura das paredes da cavidade.

O corpo negro
Figura 1: Um pequeno buraco que lev a uma cavidade é ua boa aproximação de um corpo negro.

A distribuição dos comprimentos de onda da radiação das cavidades foi extensivamente estudada na parte final do século XIX. Na Figura abaixo são mostrados dados experimentais para a distribuição de energia na radiação de corpo negro em três temperaturas. A distribuição da energia irradiada varia com o comprimento de onda e com a temperatura.

O corpo negro
Figura 2: A intensidade da radiação do corpo negro em função do comprimento de onda em três temperaturas.

A radiação do corpo negro tem algumas propriedades importantes que foram estudadas por vários cientistas ao longo da história. Uma delas é a lei de Stefan-Boltzmann, que afirma que a potência total emitida por um corpo negro é proporcional à quarta potência da sua temperatura absoluta. Outra é a lei de Wien, que diz que o comprimento de onda da radiação do corpo negro que tem maior intensidade é inversamente proporcional à sua temperatura. Essas leis podem ser usadas para medir a temperatura de objetos distantes, como as estrelas.

Lei de Stefan-Boltzmann

A lei de Stefan-Boltzmann, que relaciona a energia radiada por um corpo negro com a sua temperatura absoluta. Um corpo negro é um objeto ideal que absorve e emite toda a radiação eletromagnética que incide sobre ele. A lei de Stefan-Boltzmann afirma que a taxa de emissão de energia eletromagnética () de um corpo é proporcional à quarta potência da sua temperatura absoluta (), ou seja:



Onde é a constante de Stefan-Boltzmann, vale aproximadamente = 5,67 x 10-8 W/m2K4. A emissividade é representada por , para um corpo negro seu valor é, exatamente, . Essa lei foi descoberta experimentalmente por Josef Stefan em 1879 e derivada teoricamente por Ludwig Boltzmann em 1884, usando conceitos de termodinâmica e física estatística.

A lei de Stefan-Boltzmann permite estimar a temperatura de objetos celestes, como o Sol, a partir da medição da sua intensidade radiante. Por exemplo, sabendo que o Sol irradia cerca de 63,5 x 106 W/m2 na sua superfície, podemos calcular a sua temperatura usando a lei de Stefan-Boltzmann:





O valor da temperatura da superfície do Sol que podemos determinar pela lei de Stefan-boltzmann, está muito próximo do valor aceito atualmente, que é de 5780 K.

Lei de Wien

A lei de Wien relaciona o comprimento de onda onde se situa a máxima emissão de radiação eletromagnética de um corpo negro e sua temperatura. Um corpo negro é um corpo idealizado que emite a quantidade máxima de calor para sua temperatura absoluta. A cor do brilho desse corpo depende da sua temperatura: quanto mais quente, mais azul; quanto mais frio, mais vermelho.

A lei de Wien foi formulada empiricamente por Wilhelm Wien, um físico alemão, no final do século XIX. Ele observou que a curva de radiação do corpo negro para diferentes temperaturas atinge o pico em um comprimento de onda inversamente proporcional à temperatura. Ou seja, quanto maior for a temperatura do corpo, menor será o comprimento de onda para o qual a emissão é máxima. Essa relação pode ser expressa pela seguinte fórmula:



onde é o comprimento de onda (em metros) para o qual a intensidade da radiação eletromagnética emitida é máxima, é a temperatura do corpo em kelvin, e b é a constante de proporcionalidade, chamada constante de dispersão de Wien, em m.K (metro x Kelvin). O valor dessa constante é 2,8978 x 10-3 m.K.

Estrelas de Rigel e Betelgeuse
Figura 3: As estrelas brilhantes, acima, compõem a constelação de Órion. Como Rigel é mais quente do que Betelgeuse, aparece azul, enquanto Betelgeuse aparece vermelha.

Por exemplo, a temperatura da superfície do Sol é de cerca de 5 780 K e o pico de emissão se produz a 501,3 nm (nanômetros), que corresponde à cor amarela. Já uma estrela mais quente, como Sirius, tem uma temperatura de cerca de 9 940 K e o pico de emissão se produz a 292 nm, que corresponde à cor azul.

A lei de Wien também indica que o pico de frequência () da radiação do corpo negro é proporcional à temperatura absoluta do corpo. Portanto, conforme a temperatura aumenta, a frequência da radiação também aumenta.

No entanto, as leis clássicas da física não conseguiam explicar completamente o espectro da radiação do corpo negro. Foi preciso o surgimento da mecânica quântica para resolver o problema. As tentativas mais antigas de usar as idéias clássicas para explicar as formas das curvas (Figura 2), como previsto pela lei de Stefan na dependência da temperatura e pela lei de Wien do deslocamento no pico com a temperatura, falharam. Nos comprimentos de onda grandes, a teoria clássica apresenta boa concordância com os dados experimentais. Contudo, nos comprimentos de onda curtos, há uma discordância muito grande entre a teoria clássica e a experiência. Essa discordância é, muitas vezes, chamada de catástrofe do ultra-violeta. .

Ctastrofe do Ultavioleta
Figura 4: Gráfico experimental do espectro da radiação do corpo negro juntamente com a curva prevista pela teoria clássica.

Max Planck

Em 1900, o físico alemão Max Planck, porpôs que a radiação eletromagnética era emitida e absorvida em pacotes discretos de energia, cuja energia era proporcional à frequência da radiação. Essa hipótese permitiu derivar uma fórmula matemática que descrevia com precisão o espectro da radiação do corpo negro em todas as faixas de frequência. A fórmula proposta por Planck e é considerada o marco inicial da mecânica quântica. Segundo Planck, a energia quantizada pode ter somente certos valores discretos de energia dado por:

onde é um inteiro positivo chamado de número quântico, é a frequência eletromagnética emitida e é a constante de Planck, cujo valo é . Como a energia só pode ter valores discretos, dizemos que a energia é quantizada. Ou seja, corpo negro só poderia emitir ou absorver quantidades inteiras de energia, e não frações. Isso evitava que o corpo negro emitisse energia infinita nas frequências altas, como era esperado pela teoria clássica, mas não observado pela experimentaçao.

O ponto-chave na teoria de Planck é a suposição radical de estados quantizados de energia. Esse desenvolvimento marcou o nascimento da teoria quântica. Usando essas suposições, Planck foi capaz de gerar uma expressão teórica para a distribuição de comprimentos de onda que concordava muito bem com as curvas experimentais. Quando Planck apresentou sua teoria, a maioria dos cientistas (incluindo Planck!) não considerava o conceito quântico realístico. Achava-se que era um truque matemático que acontecia de prever os resultados corretos. Porém, desenvolvimentos subseqüentes mostraram que uma teoria baseada no conceito quântico, em pacotes discretos de energia, era necessária para explicar vários outros fenômenos do nivel atômico.

A radiação do corpo negro é um conceito fundamental para entender diversos fenômenos naturais e aplicações tecnológicas. Essa descoberta abriu as portas para o desenvolvimento da física quântica no século XX, que explicaria outros fenômenos misteriosos como o efeito fotoelétrico, o átomo de hidrogênio, a radiação cósmica de fundo, que é uma evidência do Big Bang. Planck recebeu o Prêmio Nobel de Física em 1918 pelo seu trabalho sobre o corpo negro.

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Exemplo

Considerando que a temperatura de nossa pele é de aproximadamente 35 °C. Responda:

(a) Qual é o pico do comprimento de onda da radiação que ela emite?

(b) Qual é a potência total emitida por sua pele, supondo que ela o faz como um corpo negro?

(c) Baseado na resposta do item (b), por qual motivo a pele não reluz de forma tão brilhante como as lâmpadas?

Resolução

a) A partir da lei do deslocamento de Wien.


Resolvendo para , observando que 35 °C corresponde a uma temperatura absoluta de 308 K e b = 2,8978 x 10-3 mK, temos:


Essa radiação está na região do infravermelho do espectro eletromagnético.

b) Estimatimando que a área superficial da pele. Se modelamos o corpo como uma caixa retangular com altura de 2 m, largura de 0,3 m e profundidade de 0,2 m, a área superficial total é:

Assim, a partir da lei de Stefan, temos:




(c) A resposta do item (b) indica que sua pele está irradiando aproximadamente a mesma quantidade de energia que a quantidade de energia que entra em 10 lâmpadas de 100 W por meio da transmissão elétrica. Contudo, você não está brilhando de forma visível porque a maior parte dessa radiação está no intervalo infravermelha como descobrimos no item (a), e nossos olhos não são sensíveis à radiação infravermelha.